lunes, 22 de agosto de 2016

2009 - O SOM E A PALAVRA



Caetano e Chico expressam as dualidades que fizeram a música brasileira avançar. Pode-se dizer, por conta disso, que as fotos que ilustram tanto a capa de Bravo! como as da reportagem são históricas. De acordo com o empresário de Chico Buarque, Vinicius França, tal reunião devidamente documentada não ocorria desde os anos 80, quando os dois artistas comandavam o programa ‘Chico & Caetano’.

[João Gabriel de Lima, Diretor de Redação de BRAVO!]




2009

Revista BRAVO!

O melhor da cultura em abril de 2009
Nº 140
Editora Abril





O som

   e a palavra

          O novo romance de Chico Buarque,

o novo CD de Caetano Veloso e as

trajetórias paralelas dos dois grandes

artistas brasileiros
 


 

João Gabriel de Lima



Chico Buarque e Caetano Veloso. Todo momento cultural tem um par que o resume. É o caso de Truffaut e Godard no cinema francês dos anos 60. Mozart e Beethoven no classicismo musical vienense. Hemingway e Scott Fitzgerald na “geração perdida” da literatura americana. Bandeira e Drummond na poesia modernista brasileira. Caetano e Chico resumem uma geração especialmente talentosa da MPB. A que sucedeu o trio da bossa nova – Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto – e teve também Gilberto Gil, Milton Nascimento, Tom Zé, Edu Lobo e vários outros. Dizer que Chico e Caetano resumem o período não diminui seus companheiros de geração, da mesma maneira que enaltecer Mozart e Beethoven não desmerece Haydn. A principal característica dos ares que sintetizam épocas é o fato de seus integrantes possuírem, simultaneamente, sintonia e divergência, resumindo as questões que marcaram o período. Tradição ou inovação? Pop ou MPB? Foco na linguagem ou engajamento? Caetano e Chico expressam as dualidades que fizeram a música brasileira avançar.
Pode-se dizer, por conta disso, que as fotos que ilustram tanto a capa de BRAVO! deste mês como a reportagem que começa na página 24 são históricas. Nelas, temos a imagem que resume todo um período da cultura brasileira. Uma imagem rara: sempre com agendas lotadas, Chico Buarque e Caetano Veloso raramente aparecem juntos na mesma foto. De acordo com o empresário de Chico Buarque, Vinicius França, tal reunião devidamente documentada não ocorria desde os anos 80, quando os dois artistas comandavam o programa Chico e Caetano. BRAVO! tinha bons motivos para promover o encontro. Numa dessas coincidências raras, Caetano e Chico resolveram lançar, respectivamente, novo CD e novo romance no mês de abril. Na avaliação da revista, um ótimo romance e um disco que merece entrar no top 10 dos melhores álbuns de Caetano. BRAVO! agradece aos dois artistas a oportunidade do clique histórico, realizado pelo fotógrafo Murillo Meirelles no escritório do assessor de imprensa Mario Canivello.
 



João Gabriel de Lima

O novo romance de Chico Buarque, o novo CD de Caetano Veloso e as trajetórias paralelas dos dois grandes artistas brasileiros


Numa cena do filme Invasões Bárbaras, um dos clássicos da primeira década do século 21, um grupo de professores de história elabora a teoria da "quantidade de inteligência". Segundo eles, por razões aleatórias, existem determinados momentos e lugares com alta concentração de gente talentosa, e essas pessoas fazem a diferença em suas épocas. São citadas no filme a Florença de Dante e Boccaccio e a Filadélfia dos "pais fundadores" da revolução americana. Aplicando a teoria à vida cultural brasileira, pode-se dizer que o país viveu uma espécie de auge nos anos 60 e 70, explosão criativa da música popular (e, por mais que se cunhem teorias pretensamente sociológicas — a mais famosa e absurda diz que a arte floresce em períodos de ditadura —, nada explica isso além da sorte). Primeiro veio a bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto. Depois, a MPB surgida nos festivais, com Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Tom Zé e Gilberto Gil. Esses músicos têm em comum, além do talento, a carreira extremamente longa, que dura até os dias de hoje. Numa coincidência digna da teoria da inteligência aleatória de Invasões Bárbaras, dois desses artistas darão à luz novas criações neste mês de abril. Saem o novo CD de Caetano Veloso, Zii e Zie, e o novo romance de Chico Buarque, Leite Derramado. Disco e livro são pontos de chegada de trajetórias paralelas — e o lançamento simultâneo provoca reflexões sobre a cultura brasileira e sobre o caminho que ambos percorreram para chegar até aqui.

Não existem mais artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso — os ícones de geração, os compositores que são chamados a opinar sobre todos os assuntos. Nos anos 90, o poeta carioca Bruno Tolentino (1940-2007) observou, numa entrevista famosa, que no Brasil eram os cantores populares, e não os escritores ou intelectuais da academia, que pautavam o debate cultural. Tolentino emitiu sua observação em tom de crítica — ele via isso como um sintoma de decadência. O que faltou em seu raciocínio foi observar que acontecia o mesmo no resto do mundo. Se os anos 40 e 50 foram dos escritores e filósofos, em que nomes como Norman Mailer e Jean-Paul Sartre pontificavam sobre todos os assuntos, os 60 e 70 foram dos astros da música pop. Artistas como John Lennon, Paul McCartney, Bob Dylan e David Bowie, entre outros, eram considerados as "antenas" de um período de intensa mudança cultural e de costumes. É um pouco espírito de época, mas também mérito de uma geração excepcionalmente talentosa — é só pensar que apenas no ano de 1966 foram lançados pelo menos três álbuns clássicos da música de todos os tempos, Blonde on Blonde (Bob Dylan), Pet Sounds (Beach Boys) e Revolver (Beatles). Cantores como Chico Buarque e Caetano Veloso eram as versões brasileiras desse fenômeno. É uma simplificação, no entanto, entender tudo isso apenas como marca de um tempo, ignorando as peculiaridades e contribuições particulares de cada artista.

Numa comparação redutora porém ilustrativa, Chico e Caetano estão para a MPB assim como Bob Dylan e David Bowie para o pop internacional. Dylan e Chico se destacam mais pela qualidade de suas letras do que por suas performances, em geral discretas, em shows. Mais do que bons compositores, letristas e intérpretes fulgurantes, Bowie e Caetano são famosos pelas diversas reviravoltas que deram em suas carreiras, captando diferentes espíritos de época. Bowie usou sintetizadores para falar de viagens espaciais nos anos 60, foi andrógino nos 70 (era o principal nome do glitter, o velho e colorido rock-lantejoula) e voltou a ser roqueiro nos 80. Caetano surgiu no tropicalismo dos anos 60, escreveu o "hino do desbunde" nos anos 70 (a música Odara), foi pioneiro na utilização de sonoridades do pop na MPB da década de 1980 (o marco é o memorável álbum Velô) e ainda promoveu o relançamento de clássicos da música latina nos 90. Tudo isso enquanto Chico Buarque lapidava seu estilo de composição calcado nas raízes da MPB — e Bob Dylan se aprimorava cada vez mais em sua peculiar fusão de blues e música country engajada.

Neste mês em que Caetano e Chico lançam seus novos CD e romance, é interessante comparar os pontos de chegada das duas trajetórias. Chico, o compositor que fazia incursões no teatro e criava personagens em suas letras (Pedro Pedreiro, Ana de Amsterdam, Bárbara), se tornou escritor. Continuou fazendo música embora tenha declarado, em entrevistas, que considerava a canção uma "arte de juventude", em contraposição à literatura, que seria uma forma de criação mais madura (leia texto ao lado). Enquanto isso, Caetano dava nova reviravolta em sua carreira ao se aproximar de músicos jovens e lançar um álbum antológico, Cê. Não parou por aí: criou um blog, lançou músicas na internet, testou-as no show e as reuniu no novo álbum, Zii e Zie, tornando-se talvez o artista brasileiro da área musical que melhor entendeu a interatividade dos novos tempos (leia texto a partir da página 32). Tempos estes em que a multiplicidade de criadores de todas as áreas explode na internet. Em que não existe mais o que se chamava antigamente de mainstream. Em que, no Brasil ou lá fora, se observa o fim dos ícones de geração — e não se espera mais que cantores sejam "antenas da raça" ou falem sobre todos os assuntos. Nestes tempos de cauda longa, Caetano Veloso e Chico Buarque encontraram, cada um a seu modo, suas vozes. Chico na literatura. Caetano nos sites de música, no blog, no show, no CD...






Ensaio fotográfico para a revista Bravo!, realizado em abril de 2009, por ocasião do lançamento do álbum Zie e Zii (de Caetano Veloso) e do livro Leite Derramado (de Chico Buarque)
Fotos: Murillo Meirelles / Revista Bravo!












CHEGA DE VERDADE

Caetano Veloso fala de suas letras cheias de nomes, do futuro de seu “boteco virtual”, o blog obraemprogresso, pagode baiano, Lobão e seu gosto por shows. Confira a íntegra da entrevista que o artista, que lança Zii e Zie, concedeu a BRAVO! por e-mail ao editor de música José Flávio Junior

José Flávio Junior

Bravo! - Por que você decidiu mudar o nome do disco de Transamba para Zii e Zie (ainda que o primeiro estivesse mais para um nome de trabalho provisório)?
Caetano - O título nunca foi Transamba. Lancei a palavra como uma sugestão de definição do que estávamos fazendo. Descobri depois que havia o disco de Marcos Moran e Samba Som Sete chamado Transamba. Achei legal. Mas sempre pensei em pôr um título em italiano, possivelmente com uma expressão em que um som se repetisse em duas palavras. Lembrei de "pian, piano", coisas assim, embora soubesse que não seria uma dessas. Fiquei maravilhado ao ler "zii e zie" em meio a uma frase de Istambul, de Orhan Pamuk, na tradução italiana (uma moça me deu o livro na Itália). Não tem nada a ver com Pamuk ou com Istambul. Era a língua italiana. A repetição do som "zi" condizia com o que eu buscava - e ser "tios e tias" tornava ainda mais profundo o sentido íntimo de saudade de São Paulo que venho sentindo na feitura de disco tão carioca.

Bravo! - Tenho notado que você se dedica bastante ao blog ordemeprogresso, a ponto de ler todos os muitos comentários que cada novo post seu desperta. Mas a experiência fascinante de ter um canto seu na web não pode se tornar prejudicial, principalmente agora que você lançará um disco? Se alguns jornais falarem mal do trabalho (como Folha e Estado falaram do show com o Roberto, iniciando uma das primeiras polêmicas do blog) você usará o espaço para se defender e/ou analisar as críticas?
Caetano - Como assim prejudicial? Não entendi. O show com Roberto não precisava de defesa. Eu, tendo um blog dedicado a este outro disco, não ia deixar de fazer o que sempre fiz. Antigamente eu comentava as críticas no palco do show. Era superengraçado. Mas o obraemprogresso foi criado para acabar quando o disco saísse. E assim será. Pode virar outra coisa ou simplesmente sumir. Depende do que Hermano combinar comigo. Continuar sendo o boteco virtual onde a gente conversa e discute é que não vai.

Bravo! - Você ficou intrigado quando um crítico americano disse que as letras de Cê eram as melhores que você havia concebido em muito tempo (opinião que compartilho). Em , apesar da música para Wally Salomão, você não citava outros artistas nem soava como se estivesse mandando recados para outras pessoas públicas. Por que abandonar tão rápido esse estilo de composição, uma vez que Zii e Zie traz referências a Kassin, Lobão, Madonna, Guinga, Pedro Sá, Seu Jorge, Los Hermanos, Condoleezza Rice e tantos outros? Você chegou a declarar que havia se esforçado muito para alcançar a simplicidade lírica de Cê. Não quis se esforçar de novo?
Caetano - Tenho até um disco chamado Cores, Nomes. De Clever Boy Samba a Lapa, passando por Alegria, Alegria, Ele me Deu um Beijo na Boca, A Voz do Morto ou Fora da Ordem, minhas canções estão sempre cheias de nomes de pessoas (célebres ou não), de cidades, de países, de ruas, de filmes, de personagens. O importante na nova safra de canções era ter matéria prima para desenvolver levadas de samba com timbre elétrico forte. Em havia a necessidade de soar urgente, sem referências, direto ao ponto. Fiz um esforço e consegui algo nesse sentido. Mas minha inclinação natural é assim: se eu não me proíbo de antemão, as letras vêm naturalmente cheias de nomes. Isso não quer dizer que eu desdenhe de Peter Gast ou de Lobão Tem Razão. Achei curioso que Ben Ratliff, o crítico no New York Times, tenha percebido a diferença mesmo sem saber português. Ressaltei essa ignorância dele, brincando, quando nos falamos em Nova Iorque. Mas sei que, de um certo ponto de vista, ele está certo. Mas Zii e Zie não precisa dessa característica.

Bravo! - Para Pedro Sá, Zii e Zie talvez seja até superior a por ter um lado experimental mais nítido. Como você enxerga esse disco na sua discografia e no momento artístico que você está atravessando?
Caetano - foi concebido quase como um disco de heterônimo. Foi pensado e realizado com o fito de criar uma banda de rock com som e repertório originais. É um lance só, de ponta a ponta. Agora o que aconteceu foi que fizemos um disco com essa banda já existente e amadurecida. Aí a banda vem com mais inventividade e soltura. A nova abordagem de aspectos do samba é sempre em torno do óbvio mas é radical. Experimento. Mas não tenho uma visão de conjunto tão nítida, já que fui escrevendo as canções e mostrando-as em shows semanais e pela internet.

Bravo! - Você escreveu, até como forma de provocação, que não há nada melhor do que pagode baiano. Ver o Psirico em cena reforça sua vontade de tirar do campo das idéias a tal antologia da axé music? Esse pode ser seu próximo álbum? Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado, que passeiam pelos ritmos urbanos da Bahia no Do Amor, estariam dentro do projeto?
Caetano - Tenho esse sonho. Mas não sei se chegou o tempo. Sim, eu tocaria com Ricardo e Marcelo. E com Pedro Sá, Moreno (Veloso) e Davi Moraes. Além de Du e Jó, os irmãos gêmeos percussionistas geniais de Salvador. Talvez também fizesse sozinho com meu violão.

Bravo! - Esse encontro com Chico para a capa de Bravo! levou você a pensar de alguma forma nos caminhos distintos que ambos seguiram? Por que o seu interesse na canção não morre, sua vontade de ir a shows não diminui e seu prazer por tocar com músicos novos não acaba, enquanto muitos artistas chegam aos sessenta desestimulados com a música pop ou mais empolgados com outras formas de arte?
Caetano - A tendência a ouvir menos música na velhice eu já registrei em texto. Mas gosto de canção sempre. E de ir a shows. Shows me deixam excitado e sempre idéias vêm à minha cabeça quando estou na platéia de um show de Bethânia, dos Racionais ou do Radiohead. Não sei se Frank Sinatra ou Louis Armstrong, Roberto Silva ou Riachão tinham menos prazer em tocar quando chegaram aos 60: todos esses passaram dos 70 tocando com entusiasmo. Mesmo em minha geração há muitos. Gosto de tocar com esses músicos com quem toco porque todo o projeto nasceu de minhas conversas com Pedro Sá quando fazíamos (os discos) Noites do Norte e A Foreign Sound. Nossas inteligências convergem. Ele sugeriu Ricardo e Marcelo. Vi que não podia ter feito escolha melhor.

Bravo! - Após Lobão lançar Para o Mano Caetano, sua obra coincidentemente passou a ficar mais interessante para muita gente. Você gravou o disco com Jorge Mautner, soltou o quase unânime e mostrou as canções de Zii e Zie antes que elas ficassem prontas na turnê Obra em Progresso, premiada por Bravo!. Exercitou até seu lado stand-up comedy (ou sit-down comedy) nessa temporada de shows, inclusive comentando uma entrevista de Lobão para o Jornal do Brasil. Você acha que deu um tempo com as verdades e viveu alguns enganos nesse período, como diz a música de Lobão?
Caetano - Amo a frase de Lobão para mim: "Chega de verdade". Toda hora me vejo precisando repeti-la para mim mesmo. Em Jeito de Corpo (do álbum Outras Palavras, que, aliás tem os nomes de todos os Trapalhões) eu digo: "Falta aprender a mentir/ Entro até numas por ti". Continuo tentando.





Porto Alegre, 2016
A Personalização da Música na Capa de Bravo!: 
Espaço de Construção e Legitimação de Peritos (1997/2013)

Anna CAVALCANTI

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS


 
                           As duas capas referentes à edição 140 de BRAVO!


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Nessas capas, são retratados os cantores e compositores da MPB, Caetano Veloso e
Chico Buarque, dois entre os nomes mais citados pela revista, conforme vimos acima. As fotografias escolhidas são parte de um ensaio realizado pela própria revista, clicado pelo fotógrafo Murillo Meirelles. Na primeira foto de capa, à esquerda, Chico e Caetano aparecem em um plano médio largo, sentados bem proximamente, com as mãos sobre as pernas e sorriso no rosto. Ambos estão dispostos no centro da imagem, em altura semelhante, o que dá margem a inferir que nenhum é maior que o outro, no sentido metafórico artístico, proposto por Bravo!. O logotipo da revista, sempre em caixa-alta, aparece combinando com a chamada principal, em branco, destacado pelo contraste com as roupas dos músicos.

O fato de ambos terem sido escolhidos para configurar a primeira e única capa dupla da revista já reflete um posicionamento de Bravo! frente ao peso que se infere sobre os dois artistas. Caetano e Chico mereceram essa distinção porque representam, segundo explicita a capa, “o som e a palavra”. Percebe-se que a primeira palavra está sobre Caetano e a segunda sobre Chico. O primeiro está lançando um CD, “Zii e Zie”, enquanto o segundo lança seu quarto romance, “Leite Derramado”. Aproveitou-se, a partir disso, a lógica de eventos importantes na carreira dos dois para motivar uma capa que envolvesse ambos. Bravo!, assim, personalizou dois eventos culturais de peso daquele mês ao convidar os dois artistas para o ensaio.

Na segunda capa, vemos Caetano e Chico sobre o mesmo cenário, mas em uma composição diferente. Dessa vez, eles aparecem em um plano de conjunto, sentados de forma despojada em um sofá branco. O logotipo da revista segue combinando com a chamada principal e o lead, dessa vez na cor magenta, à semelhança da camiseta de Caetano. Na foto, os músicos parecem bem à vontade, com sorriso mais largo do que o da primeira foto, sugerindo visualmente uma atmosfera de leveza. Caetano olha para lente enquanto Chico mantém o olhar voltado para outro ponto, aparentando uma dispersão descontraída.

Neste caso, em que um dos retratados não aparece com o olhar voltado diretamente para a câmera, o leitor é levado a imaginar para onde ele estaria olhando. Rostos e olhares desviados da lente e dos leitores criam uma tensão de “espaços fora do plano”, que representa o interesse por um lugar inexistente além dos limites cênicos, um espaço abstrato. Essa capa dá a sensação de estarmos invadindo um momento de intimidade dos músicos, enquanto Caetano olha pra câmera – para o leitor –, e Chico parece falar algo que diverte e descontrai. Essa situação desperta curiosidade de quem vê a cena para saber sobre o que ambos podem estar falando.

Em ambas as capas, a chamada principal é a mesma: “O som e a palavra”. Essas palavras funcionam como uma metonímia para simbolizar as celebridades que, segundo Bravo!, representam, de fato, “o” som e “a” palavra. Os artigos definidos representam o tom absolutista típico das chamadas de capa da revista, sempre retratando os superlativos de forma personalizada, reiterando-os por meio da chamada principal. Na primeira capa, a chamada diz: “O novo romance de Chico Buarque, o novo CD de Caetano Veloso e as trajetórias paralelas dos dois grandes artistas brasileiros”. A ideia de novidade é trazida repetidamente, reforçando a relação com o evento e a permanente atualização da revista sobre o que é feito a cada mês. A revista mantém o uso do definitivo quando conclui se referindo aos músicos como “os dois grandes artistas brasileiros”. Não existe uma abertura nessa referência como “dois dos grandes” ou “dois entre os melhores” – Caetano e Chico são os dois grandes artistas brasileiros, segundo a revista.

A chamada principal da segunda capa vem apenas reiterar essa ideia: “O novo romance de Chico Buarque, o novo CD de Caetano Veloso e os caminhos dos dois artistas que pautam o debate cultural do país”. Neste caso, a chamada se repete em seu princípio, tendo em vista que “trajetórias paralelas” e “caminhos dos dois” carregam o mesmo sentido, dando proximidade à carreira dos músicos. Contudo, ao final, Bravo! dá um novo epíteto aos dois: “os dois artistas que pautam o debate cultural do país”. Dessa forma, além de serem os dois grandes artistas brasileiros, Chico e Caetano são os artistas que pautam o debate cultural do país.

Nas palavras do então diretor de redação, João Gabriel de Lima (2009), à época da publicação desse número,

Caetano e Chico expressam as dualidades que fizeram a música brasileira avançar. Pode-se dizer, por conta disso, que as fotos que ilustram tanto a capa de Bravo! como as da reportagem são históricas. De acordo com o empresário de Chico Buarque, Vinicius França, tal reunião devidamente documentada não ocorria desde os anos 80, quando os dois artistas comandavam o programa ‘Chico & Caetano’.

Com isso, o diretor reforça o que as capas expressam e traz um novo sentido às fotos e ao encontro de ambos, declarando o momento como “histórico”. Armando Antenore (2013), jornalista de Bravo! nesse período, reitera a importância dessa capa e ainda revela detalhes de bastidores: “Quem trabalhava para a publicação raramente ouvia um ‘não’ quando fazia pedidos de entrevista. Até Chico Buarque, famoso por se expor pouquíssimo na mídia, topou protagonizar uma capa junto de Caetano Veloso (deixou-se fotografar, mas não abriu a boca, convém lembrar)”. Apesar de ser consagrado como “a palavra”, Chico não deu nenhuma palavra para a publicação, manteve sigilo e deixou que sua obra, exclusivamente, falasse por si, consagrando-o.

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